segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Filme fala sobre luta dos jornalistas para cobrir a revolução no Egito


Milhares de egípcios tomam a célebre praça Tahir, no Cairo, para marcar um ano da revolta que tirou do poder o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak


O documentário “Cobrindo... Uma Revolução” conta a história de seis intrépidos jornalistas egípcios que viram cenas de horror do hotel em que se encontravam no Cairo, quando forças de segurança atacaram manifestantes perto da Praça Tahrir durante a revolução do ano passado. O filme, que foi exibido neste ano no Festival Internacional de Cinema de Berlim, mostra como os repórteres reagem quando a sua cidade natal transforma-se em uma zona de guerra.

Em janeiro de 2011, Nora Younis, uma jovem jornalista egípcia, tinha acabado de retornar ao seu país após cobrir a revolução tunisiana. Em vez de passar um tempo com a família, ela foi obrigada a retornar à redação do jornal devido aos acontecimentos que se desenrolavam rapidamente nas ruas: a rebelião havia se disseminado para o Cairo. Antes que se desse conta disso, Younis estava cobrindo mais um protesto histórico.

“Eu tinha acabado de retornar da Tunísia e, em vez de ficar com o meu bebê, tive de seguir para a Praça Tahrir. A revolução estava acontecendo aqui”, disse ela a “Spiegel Online”. “A sensação é muito diferente quando algo desse tipo ocorre no seu próprio país. Quando o resultado da batalha vai influenciar o seu futuro e o do seu filho, a questão mais importante não diz mais respeito ao jornalismo. Aquilo se transforma em um momento pessoalmente decisivo”.

Essa linha divisória tênue entre o pessoal e o profissional é o foco central do documentário “Cobrindo... Uma Revolução”, que faz parte da atenção dada à Primavera Árabe pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim. Dirigido por Bassam Mortada, o filme acompanha Younis, uma jornalista, blogueira e ativista dos direitos humanos, e cinco colegas de profissão enquanto eles cobrem a revolta de 18 dias que teve início em 25 de janeiro de 2011. O filme oscila entre imagens tremidas feitas com uma câmera empunhada pelos cinegrafistas e as reflexões honestas dos jornalistas sobre o que aconteceu. Muitos deles ainda estão tentando compreender os horrores que testemunharam.

O filme mostra Younis, editora do website do jornal “Al-Masry Al-Youm”, uma das principais publicações independentes do Egito, trabalhando em uma sala de edição temporária em um hotel para executivos que dispunha de uma conexão com a Internet que permaneceu intacta.

Devido a ordens do ex-presidente egípcio, Hosni Mubarak, o hotel não permitiu que os jornalistas alugassem uma suíte que dava para a Praça Tahrir, o epicentro dos protestos, tendo lhes fornecido, em vez disso, um quarto com vista para o Rio Nilo. Mas aquele acabou se revelando o ponto de observação ideal, já que dali se via perfeitamente a Ponte Qasr al-Nil, na qual os manifestantes se reuniam antes de seguir para o centro do Cairo.

Através das lentes das suas câmeras de vídeo, eles viram horrorizados as forças de segurança atacarem repetidamente as multidões com armas de fogo, canhões de água e veículos militares blindados que eram utilizados para atropelar os manifestantes. Da varanda do hotel eles documentaram um dos embates mais violentos da revolta de 18 dias, e as imagens deles foram divulgadas por noticiários de todo o mundo. Apesar da proibição do uso da Internet, muita gente no Cairo pôde ver as imagens e, furiosas, essas pessoas saíram às ruas para juntarem-se às manifestações.

“Eu não posso dizer que foi fácil filmar essas cenas de um hotel de cinco estrelas”, conta Younis. “As pessoas gritavam, 'Juntem-se a nós', mas nós observávamos à distância... Eu ainda vejo aquela ponte nos meus pesadelos”.

Relatos dos jornalistas demonstram como é difícil preservar a objetividade, o objetivo sagrado do jornalismo, quando a violência cresce. Mostapha Bahgat, um cinegrafista que filmou várias vezes cenas sangrentas a partir da linha de frente dos protestos, sentiu-se moralmente compelido a juntar-se aos manifestantes em vez de simplesmente filmá-los. O filme mostra Bahgat, visivelmente abalado, relatando experiências como a da operação repressiva de 28 de janeiro de 2011, quando forças de segurança mataram centenas de manifestantes e feriram milhares.

O documentário  traz imagens filmadas por ele de pessoas que tentavam ajudar um homem que tinha sido baleado pelas forças de segurança. Um homem pede aos gritos que Bahgat pare de filmar e ajude o ferido. Ele desliga a câmera e carrega o indivíduo baleado para longe da linha de frente.

Em uma outra cena, uma jovem repórter aponta a sua pequena câmera para policiais que espancavam manifestantes e os arrastavam pelo pavimento. Um policial a vê filmando e começa a espancá-la. A câmera cai no chão. O que eu senti não foi tanto dor, mas sim raiva”, contou ela mais tarde. “Eu só estava fazendo o meu trabalho”.

O documentário “Cobrindo... Uma Revolução” é um dentre vários filmes sobre a Primavera Árabe que estão sendo exibidos no Festival Internacional de Cinema de Berlim neste ano. Vários filmes têm como tema o Egito e, em especial, a Praça Tahrir. “Palavras de Testemunhas”, da diretora de documentários egípcia-americana, Mai Iskander, exibido no início desta semana, também mostra os acontecimentos através das lentes da mídia, examinando a tentativa de uma jovem jornalista de encontrar as palavras certas para descrever aquilo que ela testemunhou no Cairo.

Mas, tendo diante da atual crise política no Egito, alguns dos jornalistas mostrados em “Cobrindo... Uma Revolução” questionam quais foram os resultados do derramamento de sangue dos manifestantes e da luta travada por eles. “Assistindo novamente ao filme, eu sinto agora que nada mudou”, disse uma das jornalistas durante um debate após a exibição do filme, em 16 de fevereiro. “Nós estamos presenciando as mesmas coisas neste momento”.

Uma exposição que acompanha o filme, no Freies Museum, em Berlim, ilustra o que ela diz. Denominada “Cobrindo... Uma Revolução. Continuação”, a exposição mostra imagens dramáticas feitas por jornalistas e fotógrafos, incluindo alguns quadros do filme que foram feitos em janeiro de 2011. Mas há fotos similares de manifestantes e de cenas sangrentas registradas meses depois. As fotografias mais recentes foram feitas no final de janeiro deste ano. Desde então, o número de mortos continuou aumentando e o governo instituído pelas forças armadas está enfrentando uma pressão cada vez maior, um ano após a deposição de Mubarak.

Ao mesmo tempo, a liberdade de imprensa não avançou, diz Younis. “A atenção está agora focada sobre as manifestações nas ruas”, explica ela. “O exército está reprimindo os manifestantes e o trabalho das principais redes de televisão, que sofrem muitas restrições quanto àquilo que podem mostrar. Nós poderemos ser os próximos”.

Para Younis e os seus colegas, o Festival Internacional de Cinema de Berlim se constitui em uma oportunidade importante para exibir as imagens incriminadoras que eles registraram. Eles desejam atingir o maior número possível de pessoas com o documentário. O filme já estreou no Egito, com uma exibição emotiva na Praça Tahrir, onde as multidões gritavam, acompanhando os gritos de protestos dos manifestantes mostrados na tela. Younis acredita que esta é uma forma de exigir que os perpetradores anônimos dos crimes contra os manifestantes sejam levados à justiça.

“As imagens da ponte ainda mexem comigo”, afirma Younis. “Por que os motoristas assassinos daqueles veículos blindados não foram julgados? É como se nada tivesse acontecido. Atualmente não existe sequer um memorial na ponte. É como se os fatos tivessem sido apagados da história”.

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