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Tudo começou com os franceses. Anos atrás, o Ministério da Defesa em Paris apresentou um plano oficial promovendo as exportações de armamentos. E qual foi a resposta alemã? Limites autoimpostos. As exportações de armas devem ser “restritivas”, segundo as “Diretrizes Federais para Exportação de Armamentos” do ano de 2000.
Desde então a situação não mudou muito. Em uma edição recente da revista financeira “Wirtschaftswoche”, um diretor de uma fábrica de armamentos alemã, cujo nome não foi divulgado, reclamou dos franceses: “Nessa história nós ficamos como os moleques, e eles como os heróis”.
No entanto, essa situação em breve vai mudar.
Um relatório recente da comissão que estuda a estrutura das forças armadas alemãs, liderada por Frank-Jürgen Weise, o diretor da Agência Federal de Trabalho, afirma que a indústria de defesa alemã “dependerá mais do que antes das exportações e do uso civil dos seus produtos”. A comissão enviou a recomendação ao ministro da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, do partido União Social Cristã na Baviera (em alemão, Christlich-Soziale Union in Bayern, ou CSU), para o “alinhamento das diretrizes nacionais de exportações de armamentos com os padrões europeus”.
“Exportar, exportar, exportar”
Heidemarie Wieczorek-Zeul, uma integrante do Partido Social-Democrata da Alemanha (em alemão, Sozialdemokratische Partei Deutschlands, ou SPD), está alarmada. Durante 11 anos ela foi a ministra do Desenvolvimento da Alemanha e sentou-se no chamado “Conselho Federal de Segurança”, um grupo que decidia que armamentos podiam ser exportados, e para onde. Wieczorek-Zeul disse a “Spiegel Online” que teme “que aqueles que no momento estão falando em alinhamento com os parceiros da União Europeia estejam apenas querendo encontrar uma forma de burlar as restritivas leis alemãs de exportação de armas”. Para ela, o acordo de coalizão entre o partido União Democrata-Cristã (em alemão, Christlich-Demokratische Union, ou CDU), da chanceler Angela Merkel, e o Partido Democrático Liberal (em alemão, Freie Demokratische Partei, ou FDP), a agremiação que defende os interesses dos empresários, só tem um objetivo no que se refere a armamentos: “Exportar, exportar, exportar”.
O acordo de coalizão diz: “Nós nos comprometemos com as atuais regulamentações relativas à exportação de armamentos e continuaremos a defender a harmonização de diretrizes de exportação desses produtos no âmbito da União Europeia. Nós apoiamos ativamente a competição justa na Europa”. A ideia é remover os entraves burocráticos e acelerar os procedimentos administrativos.
Elke Hoff, a porta-voz da fração do FDP no parlamento alemão, enxerga várias similaridades entre as recomendações feitas pela Comissão Weise e as propostas incluídas no acordo de coalizão do governo alemão. “Elas são tão ponderadas que quase que poderiam ter vindo diretamente do nosso acordo de coalizão”, afirma Hoff.
Hoff não consegue compreender por que os oponentes estão tão agitados. “Se nós não tivermos interesses em vender armamentos alemães para nações amigas, é melhor que simplesmente acabemos com a nossa indústria de defesa”, argumenta a porta-voz do FDP. “Mas nós queremos preservar empregos”. Ao todo, cerca de 80 mil trabalhadores alemães encontram-se empregados na indústria de defesa, e o setor responde por outros 10 mil empregos vinculados a empresas contratadas.
Os sindicatos trabalhistas da Alemanha acreditam que Guttenberg, o ministro da Defesa, deseja reduzir o orçamento para as forças armadas alemãs em nove bilhões de euros (R$ 21,2 bilhões) nos próximos anos. Na última quarta-feira, na cidade bávara de Manching, mais de 2.000 funcionários da companhia de defesa Cassidian (uma divisão da EADS Corporation) fizeram uma manifestação contra os cortes propostos para o orçamento da defesa. Um representante do sindicato IG Metall advertiu que os cortes poderão provocar a perda de 10 mil empregos na Alemanha.
Mas as exportações de armas serão uma solução para esse dilema?
Florian Hahn, um especialista em defesa da CSU – o partido bávaro aliado aos democratas-cristãos de Angela Merkel – afirma: “Como o mercado doméstico encolherá devido às reformas nas forças armadas, nós precisamos apoiar ativamente as exportações de armamentos. Outras nações estão à nossa frente nesse setor”.
Ele afirma que na Índia, por exemplo, muito pouco tem sido feito para promover o “Eurofighter”, o avião de caça projetado e construído na Europa. Os indianos estão atualmente interessados em comprar 126 caças, em um contrato no valor de mais de dez bilhões de euros (R$ 23,6 bilhões). A fabricante europeia de aviões EADS está concorrendo com os norte-americanos, os russos, os franceses e os suecos pelo contrato. O ministro das Relações Exteriores Guido Westerwelle garantiu durante a sua visita à Índia em outubro que a Alemanha possui “a melhor e mais confiável tecnologia”.
Abrandando as estritas diretrizes
As diretrizes estabelecidas pelo predecessor de Angela Merkel, o chanceler Gerhard Schröder, um político do SPD, estipulam que, no que se refere a armamentos de guerra, “a política de emprego não deve desempenhar um papel decisivo”.
Atualmente Hahn considera “possível abrandar as diretrizes de exportação de armamentos alemãs”. Até o momento era difícil para a indústria de armamentos se ajustar aos procedimentos do Conselho Federal de Segurança, afirma Hahn, acrescentando: “Não se sabe sequer onde ocorrem as reuniões. Eu espero que haja decisões mais rápidas e transparentes”.
Os fabricantes de armamentos gostarão disso. Muitas das propostas do governo de Angela Merkel lembram as demandas feitas pela Federação das Indústrias Alemãs de Segurança e Defesa (BDSV) no sentido de que haja “apoio às exportações”. A lista de pedidos da federação inclui:
A criação de um “elemento organizacional interdepartamental” dentro do governo para acelerar o processo de coordenação.
A facilitação de “acesso aos mercados de exportação por meio de acordos internacionais apoiados pelo governo”.
A “aceleração dos procedimentos de aprovação de exportação pela lei de controle de armas de guerra”, para que a Alemanha possa entrar mais rapidamente nos processos de concorrência internacionais.
Armamentos para exportação
Mesmo com regulamentações estritas das exportações de armas, a Alemanha é o terceiro maior exportador de armamentos do mundo. No passado, em diversas ocasiões vieram à tona controvérsias relativas às vendas de armas, como por exemplo a de 36 tanques de reconhecimento à Arábia Saudita em 1991.
Os alemães só estão atrás dos Estados Unidos e da Rússia na lista de exportadores de armamentos, e encontram-se à frente dos britânicos e dos franceses, que são invejados pelos fabricantes alemães. Segundo dados do respeitado Instituto de Estocolmo de Pesquisas da Paz Internacional (SIPRI), a Alemanha ficou com uma fatia de 11% do mercado mundial entre 2005 e 2009. Os países que mais possuem armamentos feitos na Alemanha são a Turquia (14%), a Grécia (13%) e a África do Sul (12%). Em 2008, o governo alemão permitiu a exportação de armamentos em um valor total de quase seis bilhões de euros (R$ 14,2 bilhões).
As atuais diretrizes de exportação, elaboradas na era Schröder, evidentemente não representam um grande obstáculo. A especialista do SPD, Wieczorek-Zeul, deseja agora fortalecê-las, e está exigindo a transparência parlamentar quanto à questão da exportação de armamentos. Ela diz que o parlamento deveria “não apenas ser informado após os acontecimentos e de maneiras tortuosas sobre as decisões relativas às exportações de armas de guerra”. Em vez disso, argumenta ela, as exportações desses armamentos deveriam ser apresentadas ao Comitê de Questões Internacionais.
Até o momento, no entanto, ela tem encontrado dificuldade para obter um apoio influente.
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