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A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, tem tentado consertar
o estrago provocado na reputação de Washington, enquanto alguns indivíduos chegaram
até ao extremo de pedir a execução da Julian Assange |
A face dela parece estar congelada há dias. Ela tem uma aparência debilitada, os lábios estão sempre contraídos e a sua expressão é séria, muito séria. A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, está atualmente enfrentando as consequências daquele que provavelmente é o maior caso de indiscrição na história da diplomacia.
Hillary Clinton, que em uma viagem de controle de danos pelo mundo a fora, condenou veementemente a publicação dos “cables” (mensagens com classificação de sigilo, via de regra criptografadas, transmitidas ou recebidas por representações diplomáticas dos Estados Unidos) de embaixadas pelo website WikiLeaks, chamando a ação de “um ato insensato e muito irresponsável que coloca em risco as vidas de pessoas inocentes em todo o mundo”.
“A secretária Hillary Clinton está trabalhando literalmente noite e dia em conversas com incontáveis líderes em todo o mundo no sentido de tentar fazer tudo o que puder não só para mostrar o quanto lamenta o que aconteceu, mas também para resolver o problema”, disse aos parlamentares norte-americanos o vice-secretário de Estado para Questões Políticas, William Burns. O marido dela, o ex-presidente Bill Clinton, afirmou que ficará “muito surpreso se algumas pessoas não perderem a vida” por causa dos vazamentos.
Sob os holofotes
Na quarta-feira da semana passada, Hillary Clinton estava em Astana, a capital do Cazaquistão, para uma reunião há muito agendada pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Essa foi a sua primeira aparição importante no cenário internacional após os vazamentos, e ela sabia que a situação poderia ser embaraçosa.
O presidente Nursultan Nazarbayev, o governante de 70 anos de idade do Cazaquistão, estava de pé no palco de um grande auditório no Palácio da Independência, aguardando 38 chefes de Estado, bem como políticos importantes de todo o mundo. Ele foi o anfitrião do evento, a primeira reunião de cúpula da OSCE desde 1999. O chefe de cada delegação tinha que subir uma pequena escada até o palco do auditório para apertar a mão do autocrata cazaque.
Finalmente, chegou a vez de Hillary Clinton. Usando um terno azul-escuro, ela subiu a escada e caminhou em direção a Nazarbayev, com um sorriso largo. Enquanto estava no palco com Nazarbayev, Hillary Clinton sabia que as luzes do holofote focalizavam-se nela, como chefe do Departamento de Estado dos Estados Unidos, a agência de governo responsável pela redação de tantos perfis psicológicos antipáticos e avaliações de políticos de todo o mundo.
Algumas das pessoas sobre as quais os embaixadores de Hillary Clinton escreveram estavam sentados no auditório em frente a ela. Entre eles o presidente russo Dmitry Medvedev, a quem os diplomatas norte-americanos caracterizaram como “apagado e hesitante” e compararam a um personagem de revista em quadrinho, e o presidente do Turcomenistão, que, segundo os relatórios, é “um mentiroso experiente” e “não muito brilhante”.
O anfitrião Nazarbayev aparentemente gosta de climas quentes, tem cerca de 40 cavalos no seu haras e é dono de um palácio nos Emirados Árabes Unidos. Nazarbayev já declarou aos norte-americanos que superará o mal estar provocado por essas revelações.
Mais do que egos machucados
Mas a questão vai além de egos potencialmente machucados. As mensagens publicadas expõem os processos de raciocínio dos líderes norte-americanos e dos seus congêneres estrangeiros. Elas expõem autênticas frases e citações diretas das regiões em crise do mundo. Os relatórios mencionam foguetes B25 norte-coreanos capazes de lançar ogivas nucleares a uma distância aproximada de 3.000 quilômetros, armamentos que Pyongyang teria enviado ao Irã. Eles revelam que diplomatas dos Estados Unidos receberam instruções secretas no verão (do hemisfério norte) de 2009 para praticarem atos de espionagem contra autoridades estrangeiras na Organização as Nações Unidas (ONU). Eles analisam os líderes árabes que mostraram-se favoráveis ao bombardeio do Irã. Eles descrevem uma maleta contendo US$ 52 milhões (39 milhões de euros, R$ 87,5 milhões) em dinheiro vivo, com a qual o ex-vice-presidente do Afeganistão foi pego em Dubai antes de ser liberado. E eles mencionam um ministro da Defesa libanês que disse esperar que Israel bombardeasse o seu próprio país e aniquilasse o Hezbollah.
As mensagens, relatórios de um universo de secretismo e discrição, contêm declarações impressionantemente claras e sem retoques feitas no contexto do reino diplomático da duplicidade. Eles chocaram, alienaram e consternaram o mundo.
O ministro italiano das Relações Exteriores, Franco Frattini, aparentemente em estado de choque e falando meio prematuramente, chamou os vazamentos de o “11 de setembro da diplomacia mundial”. O porta-voz do governo francês François Baroin, chamando os vazamentos de uma ameaça que precisava ser combatida, declarou: “Eu sempre achei que uma sociedade transparente é uma sociedade totalitária”.
Hillary Clinton está ciente dessas irritações. Segundo o seu porta-voz, ela alegou que não leu nem um só dos documentos problemáticos. Isso é surpreendente. No seu discurso no plenário da reunião da OSCE, ela não disse uma palavra sequer sobre as inconfidências do WikiLeaks.
“Nenhum amigo melhor”
Subitamente, a chanceler alemã Angela Merkel, a mulher que diplomatas norte-americanos descreveram como “raramente criativa”, estava sentada ao lado de Hillary Clinton. Angela Merkel também estava usando uma roupa azul escura naquele dia. As duas mulheres pareciam estar tendo uma conversa amigável. A chanceler diria mais tarde que a questão do WikiLeaks desempenhou um papel apenas “secundário” na reunião.
As coisas não transcorreram tão bem para Hillary com Silvio Berlusconi. Desde que começaram os vazamentos, o primeiro-ministro italiano – o último líder mundial a chegar à reunião, levando uma pasta debaixo do braço e visivelmente sem fôlego – tem sido alvo de suspeitas de beneficiar-se pessoalmente com negociatas no setor de energia com a Rússia, algo que ele nega. As mensagens descrevem Berlusconi como sendo “irresponsável, fútil e ineficiente” e um “party animal” (pessoa que gosta excessivamente de festas e noitadas) que não dorme o suficiente. Mas, em Astana, Hillary Clinton também sentiu-se compelida a elogiar o italiano. “Nós não temos nenhum amigo melhor, ninguém que apoie as políticas norte-americanas de forma tão consistente quanto o primeiro-ministro Berlusconi”, declarou Hillary Clinton aos repórteres.
Pedidos de desculpas, manifestações de solidariedade e tentativas de consertar o estrago: será que essas serão as características da política norte-americana nos próximos meses?
“É claro que não temos como colocar o creme dental de volta no tubo”, escreve o oficial de inteligência da Agência Central de Inteligência (CIA), Robert Baer, em uma coluna de opinião no jornal “Financial Time”. “A credibilidade do Departamento de Estado enquanto interlocutor confiável evaporou-se, e sem dúvida essa situação durará muito tempo”.
Em uma entrevista a “Der Spiegel”, o ex-chefe de inteligência saudita, príncipe Turki bin Faisal, afirma que “a credibilidade e a honestidade dos norte-americanos foram as vítimas desses vazamentos” e diz acreditar que daqui por diante “ninguém mais falará francamente com os diplomatas dos Estados Unidos”.
“Qualquer punição mais leve do que a execução seria uma generosidade demasiada”
Os indivíduos que situam-se na extrema direita do espectro político norte-americano sentem-se mais uma vez ameaçados por uma força estrangeira. Quem quer que tenha passado essas informações é culpado de traição, acusa o ex-pregador batista Mike Huckabee, um dos principais nomes cogitados para disputar a presidência pelo Partido Republicano em 2012. Segundo Huckabee, “qualquer punição mais leve do que a execução seria uma generosidade demasiada”.
A rival dele, Sarah Palin, escreveu na sua página do Facebook que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, deveria ser caçado como um terrorista. “Ele é um agente operacional antiamericano que tem as mãos manchadas de sangue... Por que não procurá-lo com a mesma urgência que procuramos os líderes da Al Qaeda e do Taleban?”.
Uma liderança política que não tem falado muito sobre o episódio é o presidente Barack Obama, cuja forma de lidar com o problema do WikiLeaks até o momento só confirma as críticas feitas pelos seus adversários. Assim como ocorreu na controvérsia em torno do centro islâmico em Nova York e do vazamento de petróleo no Golfo do México, Obama está sendo mais uma vez acusado de não tomar uma ação decisiva, demonstrando fraqueza e colocando em risco o status de superpotência dos Estados Unidos. A inação de Obama no caso do WikiLeaks foi o foco da crítica conservadora na segunda metade da semana passada.
A comentarista Ann Coulter diz que Obama é um líder hesitante e impotente que está paralisado na Casa Branca, incapaz de fazer qualquer coisa para defender o seu país. “Enquanto a Interpol procura Assange, o governo dos Estados Unidos não está fazendo tudo o que está ao seu alcance para prendê-lo. Ela retrata os Estados Unidos como “um gigante impotente e digno de pena”.
Teorias da conspiração
A Turquia está cogitando tomar ações legais por causa dos vazamentos. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, descrito nas mensagens diplomáticas como sendo um “islamita ignorante” com oito contas bancárias na Suíça, deseja vingar-se dos diplomatas dos Estados Unidos com vigor. “Aqueles que nos difamaram serão esmagados sob estas alegações, serão liquidados e desaparecerão”, anunciou Erdogan em Istambul, onde ele está cogitando mover um processo judicial contra os diplomatas.
Muitos turcos suspeitam que uma conspiração maciça por parte do lobby judeu esteja por trás da campanha do WikiLeaks, uma opinião que é compartilhada pelo vice-líder do partido governista turco, o AKP. Segundo ele, o objetivo dos relatórios é enfraquecer o governo turco.
As mensagens diplomáticas vazadas provavelmente terão os efeitos de longo prazo mais graves em locais do mundo que já eram extremamente frágeis antes dos vazamentos: o Oriente Médio, o Iêmen, os países que fazem fronteira com o Irã, o Afeganistão e o Paquistão. Críticos em Islamabad disseram na semana passada que os Estados Unidos, o parceiro estratégico do Paquistão na luta contra o terrorismo, desconfia dos seus aliados paquistaneses e está “fazendo um jogo duplo”. Alguns dos relatórios vazados revelam preocupações dos Estados Unidos quanto à possibilidade de Islamabad não estar protegendo suficientemente o seu arsenal nuclear. “Os documentos revelam o que Washington pensa de fato sobre nós”, diz uma autoridade de um ministério paquistanês.
Humilhação
Os diplomatas da secretária Hillary Clinton terão que cortejar os seus congêneres estrangeiros e expressar abertamente o seu arrependimento, e precisarão também humilhar-se para superar a perda de confiança. O Departamento de Estado já está pensando em remover alguns dos seus embaixadores como forma de consertar o estrago. O subsecretário de Estado para Questões Políticas, William Burns, afirma que os vazamentos feitos pelo WikiLeaks provocaram “estragos substanciais” na diplomacia dos Estados Unidos.
Um fato peculiar a respeito desse debate é que existe também uma outra perspectiva, totalmente diferente, por parte daqueles indivíduos que acham que os relatórios vazados são “embaraçosos, mas não causam estragos” e que eles não trazem “novas informações relevantes”.
“As revelações do WikiLeaks não oferecem nenhuma surpresa”, diz o jornal suíço “Neue Zürcher Zeitung”, enquanto que o jornal semanal alemão “Die Zeit” argumenta que “não está em risco nada que deva preocupar a humanidade, e muito menos a Europa”.
Do banal ao explosivo
Todo mundo, desde os indignados até aqueles que minimizam a significância dos relatórios vazados, estão falando sobre as mesmas mensagens, os mesmos dados que o WikiLeaks começou a divulgar no seu website no domingo, 28 de novembro. O jornal estadunidense “The New York Times”, o britânico “The Guardian”, “Der Spiegel”, o jornal francês “Le Monde” e o espanhol “El Pais” tiveram acesso antecipado a esse autêntico tesouro de informações e puderam analisá-lo. Raramente um vazamento enfureceu tanta gente e provocou reações tão divergentes. E também raramente vazamentos foram disseminados de forma tão ampla e simultânea.
Alguns dos 251.287 documentos são banais, mas outros são tão explosivos que os órgãos de comunicação que os analisaram decidiram não publicá-los. Houve milhares de situações em que os jornalistas tiveram que exercer discrição no sentido de lidar responsavelmente com as informações contidas nas mensagens diplomáticas. Para proteger as chamadas fontes secundárias, os nomes destas não foram mencionados. Certas medidas de contraterrorismo e operações militares foram mantidas em sigilo, devido à consideração pelos governos envolvidos.
“Der Spiegel” passou meses examinando esse material, da mesma forma que fez com materiais de qualquer outra fonte no passado e que continuará fazendo no futuro. A única diferença no caso do WikiLeaks foi que as cinco empresas de mídia envolvidas concordaram quanto à data da divulgação, e concordaram também em não revelar os nomes de pessoas cuja liberdade ou vidas poderiam ser colocadas em risco devido a tais revelações.
Fonte de ressentimento
Muitos dos relatórios vazados são parte do processo comum de informação diplomática, enquanto outros se constituem claramente em casos fronteiriços. O recrutamento de uma fonte dentro do Partido Liberal Democrático (em alemão, Freie Demokratische Partei, ou FDP) por funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Berlim se enquadra certamente nesta última categoria.
Um outro caso do gênero é aquele que envolve as instruções do Departamento de Estado dos Estados Unidos para que os seus diplomatas espionem as autoridades da ONU em Nova York. As diretrizes em que eles se basearam incluíam o pedido para a confecção de uma lista – pedido este feito pela CIA – com informações sobre autoridades graduadas da ONU. “O conteúdo daquilo veio de fora do Departamento de Estado”, disse o porta-voz do departamento, Philip Crowley, em uma declaração à imprensa na semana passada.
As diretrizes, que instruíam os diplomatas a obter dados biométricos dos enviados da ONU, bem como os detalhes sobre os seus programas de milhagem aérea e até números de cartões de crédito, transformaram-se sem dúvida em uma fonte de ressentimento e raiva no prédio da ONU, às margens do East River, em Nova York.
Falando em uma sessão plenária, o porta-voz da ONU Farhan Haq citou uma passagem da Convenção de 1946 sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, nitidamente perturbado pelas revelações, conversou com Hillary Clinton, mas ambos permaneceram diplomaticamente silenciosos quanto a questão após o encontro.
Estado de choque
Os documentos tiveram o impacto mais profundo no Oriente Médio, onde eles confirmaram uma suspeita muitas vezes alegada, mas nunca comprovada, de que os governos de Israel e dos principais países árabes, que tradicionalmente manifestam hostilidades mútuas, concordam integralmente em relação a uma questão: a posição quanto ao Irã. Ambos os lados aparentemente desejam que os norte-americanos ponham um fim ao programa nuclear de Teerã e, contradizendo as suas posições oficiais, muitos líderes árabes estão preparados para aceitar a guerra como uma possível consequência. Os diplomatas norte-americanos citam o príncipe dos Emirados Árabes Unidos como tendo dito que um ataque ao Irã é meramente “uma questão de quando, e não de se”.
O fato de terem visto isso publicado pela primeira vez causou tanto impacto nas elites árabes que estas ficaram em estado de choque durante três dias. Na quarta-feira passada, os jornais controlados pelo governo dos países do Golfo Pérsico não publicaram uma palavra sequer sobre as declarações colossais feitas secretamente pelos seus próprios reis, xeques e emires. A imprensa árabe quedou-se silenciosa por um bom motivo. Os líderes árabes mentiram para o seu povo durante anos. Os relatórios demonstram claramente que as declarações repetidas desses líderes pedindo a união muçulmana não passavam de palavras vazias. Os documentos mostram, por exemplo, que os líderes árabes sunitas demonstram uma profunda aversão pelos mulás xiitas de Teerã ao dirigirem contra estes uma enxurrada de insultos.
O único problema é que as populações desses países, influenciadas por décadas de propaganda, desde então formaram uma opinião diferente. Segundo uma recente pesquisa feita pela empresa de pesquisas de opinião pública norte-americana Zogby, apenas 10% dos egípcios, sauditas e jordanianos sentem-se ameaçados pelo Irã, enquanto que 77% temem os Estados Unidos e 88% veem Israel como uma ameaça. As inconfidências contidas nos documentos das embaixadas estão deixando os governos do Oriente médio mais nervosos do que os líderes de qualquer outra região do mundo, porque tais relatórios comprovam que pelo menos parte da legitimidade desses governantes está baseada em mentiras.
No final da semana passada, um grupo de mensagens diplomáticas oriundas de uma fonte desconhecida emergiu no mundo árabe. Os documentos não foram divulgados no website do WikiLeaks, nem pelos cinco parceiros da mídia. Até a noite de sexta-feira a fonte continuava sendo um mistério desse vazamento, bem como a questão relativa à responsabilidade com que lidar-se-á com os documentos. No entanto, essas mensagens parecem ser autênticas.
“Conspiração satânica”
O presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad declarou desde o início que as mensagens foram forjadas, sendo o resultado de uma “conspiração satânica” lançada por Washington para prejudicar as relações entre árabes e iranianos. O conselheiro dele, Esfandiar Rahim Mashai, declarou: “Os Estados Unidos querem se apresentar como os líderes do mundo, como os senhores dos destinos de todas as nações”.
Ninguém parece se sentir tão confortável com os vazamentos quanto o pior inimigo e o melhor amigo, respectivamente, dos Estados Unidos, Irã e Israel. Enquanto Ahmadinejad criticou duramente aquilo que ele classifica como a “guerra psicológica norte-americana”, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu mostrou-se nitidamente tranquilo ao falar com a imprensa em Jerusalém. O fato de o mundo inteiro poder agora ler como as agências de inteligência árabes cooperam estreitamente com Israel, e que os governantes de Abu Dhabi e da Arábia Saudita pediram um ataque contra o Irã, tudo isso são presentes inesperados para Netanyahu.
Pela primeira vez na história – disse Netanyahu aos jornalistas – existe finalmente um consenso de que o Irã é uma ameaça. Ele chegou a declarar que vê os vazamentos como um fator fundamental para a paz regional. “Se os líderes dissessem abertamente aquilo que vêm dizendo há muito tempo a portas fechadas, nós teríamos realmente um fato revolucionário na rota para a paz”.
Uma nova comunidade de fãs do WikiLeaks emergiu em Israel da noite para o dia. Um colunista do importante jornal israelense “Yedioth Ahronoth” escreveu: “Se o WikiLeaks não existisse, Israel teria que inventá-lo”.
Reação relaxada
E o que estão dizendo os britânicos? Ele tiveram que descobrir que, aparentemente, o fato de a maior fabricante britânica de armamentos fazer negócios corruptos com a Arábia Saudita não incomoda o príncipe Andrew. Eles também leram que o diretor do seu banco central, o Banco da Inglaterra, manifestou dúvidas quanto à capacidade de o primeiro-ministro David Cameron sobreviver à atual crise financeira. Os britânicos estão, de fato, adotando uma abordagem relaxada. Ao contrário de diversos norte-americanos, eles não veem o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, como um inimigo público. Sherard Cowper-Coles, um diplomata britânico que até recentemente foi o enviado especial do seu país ao Afeganistão e ao Paquistão, disse que o material pode ser “inconveniente”, mas que ele contém “poucas surpresas”.
Agora todos podem constatar por si próprios o que um diplomata norte-americano de primeira linha está fazendo, escreve o historiador Timothy Garton Ash, argumentando que os vazamentos são, na verdade, uma boa notícia para os Estados Unidos. Fareed Zakaria, o colunista chefe da revista “Time”, concorda. Após analisar as mensagens vazadas, Zakaria escreve que ficou aliviado pelo fato de descobrir que elas “mostram um establishment diplomático norte-americano que é muito bom em analisar os fatos”.
Assim sendo, qual é exatamente o fator negativo para os Estados Unidos? Talvez o maior problema revelado pelos relatórios, escreve Zakaria, seja o fato de um soldado individual, sentado diante do seu computador em uma base militar no Iraque, ter sido capaz de fazer o download de relatórios secretos sobre conversas entre o ministro francês das Relações Exteriores e o secretário de Defesa dos Estados Unidos. Para Zakaria, foi a política absurda de Washington em relação a dados e informações que tornou o escândalo possível, um problema que os norte-americanos estão sendo obrigados a enfrentar.
Nada deve ser vedado
“Der Spiegel” teria publicado esses relatórios caso eles tivessem vindo de uma fonte diferente? A revista os considera politicamente significantes? A resposta em ambos os casos é sim. Um jornal ou revista tem que ser capaz de imprimir material que autoridades de Estado exploraram de forma errada ou sobre o qual fizeram segredo, escreveu certa vez Rudolf Augstein, o fundador de “Der Spiegel”. “Um jornalista é motivado pela intenção de fornecer à população o conhecimento do qual ela necessita para formar uma opinião sobre questões existenciais”, escreveu também o já falecido ex-editor de “Der Spiegel”.
Segundo a jornalista Dana Priest, do “Washington Post”, ganhadora do Prêmio Pulitzer, esses documentos demonstram como as nações interagem entre si, e proporcionam “uma visão sem filtros” daquilo que elas pensam dos seus inimigos e aliados. Priest argumenta que a população tem o direito de saber o que o governo está de fato fazendo.
Mas os países não têm também o direito à privacidade, conforme indaga a revista suíça semanal “Weltwoche”?
“Der Spiegel” sempre foi da opinião de que nem tudo o que os governos consideram secreto deve ser vedado aos jornalistas. A revelação do caso Flick, em 1982, por “Der Spiegel”, envolvendo contribuições políticas questionáveis por parte da companhia alemã Flick, baseou-se em documentos confidenciais da promotoria pública. A matéria da revista sobre o caso de corrupção Neue Heimat teve como base documentos internos de um sindicato, e “Der Spiegel” obteve informações sobre o desastre que foi o bombardeio de Kunduz a partir de documentos militares confidenciais alemães e de um relatório da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) com classificação de sigilo.
“Um jornalista que vê os dados do WikiLeaks primariamente como uma questão de segurança nacional, ou pior ainda, de segurança do Ocidente, teve todo sucesso em dar um tiro no próprio pé – e, no decorrer desse processo, desfechou um golpe contra a liberdade de imprensa”, escreve Jakob Augstein, filho do fundador de “Der Spiegel” e editor do jornal semanal “Freitag”.
Mas até mesmo aqueles jornais que criticaram a publicação dos relatórios, tais como o tabloide alemão “Bild”, que classificou os “anarquistas online” de criminosos, ou o diário “Die Welt”, que mencionou uma “quebra sumário de sigilo irresponsável e imensamente perigosa”, não deixaram de fazer reportagens extensas sobre os vazamentos na semana passada.
Pedidos de vingança
Neste aspecto, a Alemanha não difere dos Estados Unidos, onde as forças políticas de direita estão neste momento pedindo vingança. Bloguistas têm usado os seus sites para revelar os seus próprios planos para Bradley Manning, o cabo homossexual de 23 anos de idade, um ex-especialista em tecnologia da informação no Iraque, que supostamente fez o download das mensagens diplomáticas e vazou-as para o WikiLeaks. Eles querem vê-lo dentro de um daqueles trajes cor de laranja usados pelos prisioneiros de Guantánamo, sendo recolhido por um helicóptero e arrastado para um campo secreto. Durante dias, eles têm pedido na Internet a execução do jovem militar. O homem que afirmou ter copiado as mensagens em um CD que ele disfarçou como se contivesse músicas de Lady Gaga não se transformou em um herói, e tampouco Assange, o fundador do WikiLeaks.
Na última quinta-feira, a Federação Internacional dos Jornalistas criticou aquilo que chamou de “uma campanha política” contra Assange e Manning. Segundo a Federação Internacional dos Jornalistas, os “pedidos por parte de comentaristas de direita para que Manning seja executado e que Assange seja caçado como um espião... revelam um espírito de intolerância e perseguição que é perigoso não só para os dois homens, mas para todos os jornalistas engajados na investigação de questões públicas”.
O governo dos Estados Unidos está fazendo tudo o que pode para impedir a disseminação dos documentos. A Administração de Segurança Social foi a primeira agência governamental a advertir os seus funcionários, 62 mil no total, para que estes não disseminem documentos do WikiLeaks para outros, não os copiem ou sequer os leiam. Os funcionários públicos que desobedecerem essa ordem poderão deparar-se com consequências criminais.
Manning, que tinha 22 anos de idade quando copiou os arquivos, tem sido repetidamente acusado de ser motivado pelo desejo de reconhecimento. Mas o próprio Manning ofereceu uma explicação diferente antes de ser levado para a prisão. Ele disse que o mandaram ocultar muita coisa durante o período que passou no Iraque, e que isso o deixou indignado. Depois de ver o atualmente famoso vídeo do helicóptero matando inocentes em Bagdá, ele aparentemente decidiu procurar mais material. Manning contou que, quando descobriu as mensagens diplomáticas, desejou que o mundo inteiro conhecesse o conteúdo delas.
Acorrentado
Manning encontra-se há mais de quatro meses em uma prisão militar na Base do Corpo de Fuzileiros Navais de Quantico, a cerca de uma hora de carro de Washington. Ele acorda todo dia às 5h30 e vai dormir às 20h30. O seu advogado pode visitá-lo, e uma tia o visitou pela primeira vez duas semanas atrás. Por outro lado, os seus parentes mais próximos ainda não estiveram em Quantico. Quando chega alguém para visitar Manning, ele é trazido à área de visitas com as mãos e os pés acorrentados. O barulho das correntes pode ser ouvido de longe.
Ele toma antidepressivos e pílulas para dormir, mas não é mais considerado um indivíduo que corre o risco de se suicidar. No entanto, como medida de precaução, não há lençóis ainda na sua cela. Ele pode assistir à televisão uma hora por semana.
É bem possível, portanto, que Manning esteja agora ciente da tempestade que ele desencadeou lá fora, além dos portões da base de Quantico.